Desde seu surgimento, no já longínquo
ano de 1997, Grand Theft Auto (ou simplesmente GTA, como ficou
amplamente conhecido) era um jogo que chamava atenção por seus
temas controversos. O jogo colocava o jogador no controle de um ladrão
que cumpria as mais diversas missões para criminosos do alto escalão.
Na verdade, o grande chamariz de GTA era a possibilidade inédita de
se furtar qualquer carro na rua, causar o caos, peitar a polícia...
enfim, a possibilidade de encarnar um bandido perigoso era o grande
trunfo de GTA.
Em 1999 chega ao mercado GTA 2, terceiro jogo da série (o segundo
foi GTA London 1969, idêntico ao GTA 1, só que com novos carros)
que não trouxe grandes novidades em relação ao original. A revolução
veio em 2001, com o lançamento de GTA 3. Pela primeira vez na série
foram usados gráficos em 3D, uma ambientação mais realista (Liberty
City, cidade onde o jogo se desenrola, era uma cópia fiel
-guardadas as devidas proporções- de New York), jogabilidade
melhorada, diálogos falados, enredo mais complexo. Enfim, mais do
que a transição 2D/3D, GTA 3 representou uma mudança de paradigma
para a série, com produções mais esmeradas e grandiosas. E também
marcou o início do sucesso comercial que tornou, a partir dalí, a
série GTA uma das mais vendidas da história.
Após os lançamentos de GTA Vice City e GTA San Andreas, que
limitaram-se a melhorar os aspectos de GTA 3, mas sem grandes mudanças,
muita expectativa criou-se ao redor de GTA 4. A pergunta que não
queria calar, antes do lançamento do jogo, era: será que teremos
uma revolução tão grande quando a que se deu na passagem de GTA 2
para GTA 3?
A resposta, posso adiantar, é não. A despeito de algumas
melhorias, GTA 4 não traz nada de revolucionário para a série.
Como novidades, pode-se citar o telefone celular, a maior ênfase
nos relacionamentos sociais do protagonista, e algumas novas
possibilidades, como assistir televisão, navegar na internet,
assistir a shows, jogar boliche, dardos ou sinuca.
Entretanto, em sua raiz, GTA 4 pouco mudou. Sobretudo as missões não
são das mais inspiradas. Praticamente todas elas já foram vistas
em jogos anteriores da série, e existe uma certa repetição. Raras
são as missões que não consistem em dirigir do ponto A ao ponto B
e matar alguns inimigos. Repetem-se também alguns clichês como
seguir alguém sem ser visto, entregar um carro bomba, e missões de
perseguição em alta velocidade.
Outro ponto notável é que o mundo do jogo parece ter
"encolhido" em relação a seu antecessor, San Andreas.
GTA 4 é mais pobre em termos de customização de personagem (que
em San Andreas possuía até aspectos de RPG), variedade de
ambientes, tamanho do mapa e segredos a descobrir. Em suma, deram
uma "enxugada" grande em GTA 4.
Em termos gráficos, é notável o salto em relação a San Andreas.
Pudera, 4 anos se passaram, uma nova geração de consoles chegou e
o poderio dos PCs aumentou exponencialmente. GTA 4 é muito mais
bonito que seu antecessor, traz uma nova engine física (que ninguém
pense que é algo soberbo como Half Life 2 ou Crysis), mas, quando
comparado aos demais jogos desta geração, apanha de lavada. GTA 4
sofre de problemas como cores chapadas, texturas em baixa resolução,
movimentação estranha, pop-ups, efeitos de luz e sombra pouco
convincentes. É bem verdade que GTA nunca teve gráficos soberbos,
e que o mundo do jogo é imenso (e não há loadings em momento
algum na transição entre os ambientes). Mas, o jogo não faz
bonito. E, na versão PC, é preciso ressaltar a péssima qualidade
do processo de portagem do jogo. Rodar GTA 4 com uma qualidade gráfica
satisfatória e em um bom frame rate é um privilégio para poucos,
prova de que o processo de otimização foi feito "nas
coxas".
Sonoramente, entretanto, não há do que reclamar. As atuações de
voz em sua maioria são brilhantes, assim como os efeitos sonoros.
Nas ruas é possível ouvir os diálogos dos pedestres, muitas vezes
em línguas como espanhol e até português, o que cai como uma luva
para a ambientação, já que o jogo se passa em Liberty City,
contrapartida virtual para Nova York, que, como sabemos, possui
imigrantes de todos os cantos do mundo. Os eventuais sotaques de
alguns personagens soam bastante naturais, sem caricatura. E a
trilha sonora é um show a parte. Com diversas estações de rádio
diferentes, o jogo aborda praticamente todos os estilos musicais
existentes, do jazz ao hardcore, passando pelo rap e ritmos latinos.
E, se ainda assim a trilha sonora não for o bastante, sem
problemas, é possível ouvir nossas próprias MP3 durante o jogo.
A jogabilidade evoluiu pouco, mas alguns elementos excelentes foram
implementados, sobretudo no tocante aos tiroteios. Antes de mais
nada, agora existe um sistema de cover, semelhante ao de Gears Of
War, que torna os combates muito mais interessantes. Outro ponto
importante é atirar de dentro do carro, que agora é feito através
de uma mira, bem semelhante a Máfia. Isso torna os combates em GTA
4, seja a pé ou sobre rodas, muito mais agradáveis do que antes.
Dirigir continua fácil e prazeroso, embora a direção esteja
ligeiramente mais realista, nada que assuste, mas os carros
respondem mais realisticamente aos comandos. No mais, praticamente
nada mudou. Ponto negativo para a movimentação fora do carro, que
não é das melhores.
Desde GTA 3, a série vêm se tornando cada vez mais famosa pelo seu
primor artístico, seja nas representações cada vez mais realistas
de cidades como New York (Liberty City, GTA 3), Miami (Vice City, do
jogo homonimo), San Francisco, Los Angeles e Las Vegas (San Fiero,
Los Santos e Las Venturas, GTA San Andreas), seja nos enredos sempre
esmerados, seja nos bons diálogos, seja nos personagens marcantes.
Em GTA 4, a direção de arte da série atinge seu ponto mais alto.
Em primeiro lugar, o enredo é meio batido. O jogo é protagonizado
por Niko Bellic, ex-soldado oriundo do leste europeu (o país não
é especificado), que vem para Liberty City a convite de seu primo
Romam, que lá vivia há alguns anos e relatava uma vida de luxo e
riqueza. Ao chegar, Niko descobre que Roman era apenas dono de uma
pequena companhia de táxis, e devia dinheiro para vários
criminosos da cidade. A partir daí, o enredo se desenrola, com Niko
embrenhando-se cada vez mais no mundo do crime.
Apesar da história do imigrante que vem aos EUA em busca do "american
dream" já tenha sido usada em trocentos jogos/filmes/livros,
GTA 4 conta essa história como se estivéssemos assistindo a um bom
filme de Quentin Tarantino: diálogos pra lá de inspirados, humor
negro, personagens perturbados e situações caóticas. Isso sem
falar nas críticas pesadíssimas a vários aspectos do "american
(e por conseqüência de todo o mundo) way of life". Se o
enredo em si não é um grande atrativo, a forma como ele é narrado
é soberba. Some-se a isso o carisma de Niko Belic, o ex-soldado
amargurado e casca grossa, embora não necessariamente um sujeito
mal. Sem dúvida um dos melhores protagonistas da série.
Mas o grande feito artístico de GTA 4 é a ambientação. Se a
Liberty City de GTA 3 apenas aludia vagamente a New York, a de GTA 4
é uma recriação minuciosa da cidade real, com todos os seus
bairros, pontos turísticos e localizações perfeitamente
recriadas. Os carros não ficam atrás, apesar dos nomes fictícios
são perfeitamente reconhecíveis vários modelos do mundo real. E o
conteúdo criativo não fica atrás, com diversas sátiras a
propagandas, marcas e celebridades do mundo real. O esmero é tanto
que até mesmo é possível navegar pela internet e assistir televisão,
com sites e programas criados especialmente para o jogo.
Enfim, ao lado de Bioshock e Fallout 3, GTA 4 protagoniza o maior
feito artístico dessa geração.
Embora a série GTA seja bastante aclamada, tanto pela crítica
quanto pelas vendas, sendo um dos maiores sucessos comerciais dos
videogames na atualidade, há muita gente que simplesmente abomina o
jogo, por diversas razões. Pois bem, com a chegada de GTA 4,
aqueles que não nutrem pela série particular apreço, continuarão
na mesma. Como já dito, apesar dos implementos, pouco mudou em GTA
4 em comparação aos anteriores. O grosso da jogabilidade continua
se resumindo a dirigir e atirar, inclusive com grande ênfase das
missões que envolvem tiroteios sobre rodas. Há algumas missões
paralelas que envolvem roubar carros, há ótimos minigames de
sinuca, boliche e dardos, missões de vigilante (as de bombeiro,
cafetão e paramédico foram inexplicavelmente retiradas. As de
taxista mudaram o formato, embora ainda estejam lá, mas só servem
mesmo para ganhar dinheiro), e alguns segredos como stunt jumps e
collectibles (nesta edição são 200 pombos, que temos que
encontrar e matar), mas o grosso da jogabilidade é mesmo dirigir e
atirar. Pra quem gosta, é divertido.
GTA 4, se não representa uma revolução na série, melhora
ligeiramente o que já era bom. É verdade que pouco se acrescentou,
e que o mundo do jogo deu uma encolhida em relação a San Andreas.
Não acho que seja o melhor jogo da série, mas sem dúvida trata-se
de um jogo esmerado artisticamente, bem cuidado e divertido, sendo
portanto recomendado àqueles que são fãs da série.
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